sábado, 17 de janeiro de 2015

DEDICATÓRIA



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É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca.
       D. Hélder Câmara 






A meu falecido Pai, Homem piedoso e justo, e ao meu mentor espiritual da infância e da adolescência, Pe. António de Matos





quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O MISTICISMO CRISTÃO





Na celebração do V centenário do nascimento de Santa Teresa de Ávila (1515-2015)





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O MISTICISMO CRISTÃO

Pelo misticismo o Homem busca alcançar uma realidade suprema, tendo como fim último a união com Deus. Dispõe-se afectiva e intelectualmente, por intermédio da oração, da contemplação, da reclusão ou ascetismo, pelo despojamento das coisas do mundo e pelo amor, a concretizar o “matrimónio” da sua alma com a do Altíssimo.
Numa primeira abordagem, dir-se-á que pode assumir características de libertação – no budismo –, de identificação – hinduísmo e neoplatonismo –, e teístas – judaísmo, cristianismo e islamismo.

A tradição mística cristã é de uma riqueza incontestável.
Como advogam Mircea Eliade e Ioan P. Couliano, o misticismo cristão abrange praticamente todos os métodos conhecidos. Nesta perspectiva, o estudo dos místicos das várias Igrejas, nomeadamente da Católica e da Ortodoxa, será de grande proveito aos que prosseguem a vereda da espiritualidade, sem prejuízo das adaptações que façam como consequência das suas próprias crenças ou objectivos. 
Vamos encontrar métodos similares na espiritualidade hindu, no vedanta, no ioga samkhya, no tauismo chinês, no budismo Mahayana, entre outros.

***

Paulo, já esboça os primeiros elementos místicos do cristianismo, quando aspira veementemente a uma relação directa e imediata com Cristo, o Filho de Deus.

Em regra, a experiência mística tende para a união com Deus, no esquecimento do corpo e das “coisas” do mundo, sendo uma vivência da religiosidade individual. Pela experiência mística-religiosa, Deus é encontrado no coração de cada um, no próprio interior purificado do místico.
Hans Kung refere que a autêntica mística, não se circunscrevendo ao cristianismo, “comporta a experiência de unidade da minha pessoa com a realidade omnímoda, última ou suprema, com o Absoluto, entendido como Deus, Brama, darma ou nirvana – Aquilo em que creio.

Karl Rahner escreveu que “o cristão do futuro será um místico ou não será” – Schriften zur Theologie, XVI, 1980. Esta expressão deverá ser entendida cum grano salis, sob pena de desmotivar intenções e afastar ideologicamente da religião cristã um conjunto de crentes alheados de uma espiritualidade exigente, mas que perseguem os ideais éticos do cristianismo. Já não nos referimos, aos denominados cristãos-ateus-práticos, que vivem tão afastados e esquecidos de Jesus que na sua existência e a cada passo agem como se Ele não existisse. Daí a famosa frase de Gandhi: “Amo o cristianismo, mas odeio os cristãos, pois não vivem segundo os ensinamentos de Cristo”. 

Orígenes, dá-nos inicialmente o quadro interpretativo de uma tal experiência.
Terá nascido no ano 185 ou 186, em Alexandria, e morreu mártir com 69 anos de idade. Foi tal como Plotino, discípulo de Ammonius Saccas, que é considerado por muitos o verdadeiro fundador do neoplatonismo.
No ano de 230 é ordenado, para no ano seguinte ser excomungado.
Castrou-se voluntariamente, numa interpretação literal do texto evangélico, não obstante a condenação da Igreja de tal interpretação.
Talvez tenha sido Orígenes o primeiro filósofo a empregar a palavra misticismo para traduzir o conhecimento directo de Deus.
Segundo ele, não há ser que não possa obter a salvação, inclusivamente Satanás.
Recusa a doutrina da ressurreição da carne.
Foi condenado por via de quatro heresias:
- a doutrina da preexistência das almas – vide Platão;
- que Cristo já detinha antes da encarnação a natureza humana;
- após a ressurreição, os corpos não serão mais materiais, mas integralmente etéreos;
- todos podem atingir a salvação, inclusivamente o Diabo.

Dionísio, o Aeropagita, foi convertido ao cristianismo, e foi discípulo do Apóstolo (por vocação) Paulo. Persevera no carácter imperceptível de Deus, daí poder ser denominado teólogo negativo ou apofântico.
No entanto, segundo Nicola Abbagnano, “Pelos princípios do século VI começam a ser conhecidos e citados alguns escritos cujo autor se qualifica como Dionísio, aquele que, segundo os Actos dos Apóstolos (XVII, 34), foi convertido ao cristianismo pela prédica do apóstolo Paulo diante do Aerópago. Motivos internos e externos demonstram que tais escritos não podem remontar para lá do fim do século V e que, portanto, a sua atribuição a Dionísio é impossível. Na verdade, a fonte principal destes escritos é o neoplatónico Proclo (418-485)”. 
Com ele é fundada uma nova feição de misticismo, que sem deixar de ser extática, se assemelha à mística do “vazio” existente no Budismo – dele procede o conceito de Teologia Mística.

Mestre Eckart, fundador da mística alemã, nasceu por volta de 1260, em Hochheim, pertenceu à ordem dominicana. Em 1326 foi-lhe instaurado um processo por heresia, tendo-se retratado das suas doutrinas antes de falecer em 1327.
A sua obra concentra-se na fé, visando constituir a unidade essencial entre o homem e Deus. Serve-se da teologia negativa do Aeropagita, tal como Escoto Erígena o havia feito – Deus não tem nome, já que não há quem o possa entender.
Diz-nos que é absolutamente necessário aprofundar o nosso relacionamento com Deus, buscando-o na parte central da alma, onde Ele se nos revela como divino, na sua natureza e verdadeira essência. Aqui, dá-se a união entre a alma e Deus, alma que não se anula – o homem é Deus por graça, e Deus é Deus por natureza. 

João Tauler (1300-1361), tal como Henrique Suso, foram discípulos de Eckart.


As obras do Carmelita João da Cruz (1542-1591), inspiradas na mística extática de Teresa de Ávila (1515- 1582), têm também origem no modo teológico negativo.

Michel Meslin, L´Expérience humanitaire du Divin, ensina que é praticamente impossível separar o misticismo do amor pelo misticismo do “vazio”. Vazio, que inúmeras vezes nos surge como uma fase no caminho da união, e que pode ser comparado à “noite escura” – v.g. S. João da Cruz

Podemos também falar de um misticismo especulativo, que desagrega e faz progredir os estádios da experiência mística, patente na obra de João Clímaco (séc. VII), autor de L´Échelle (Klimax) du Paradisobra onde alvitra uma graduação da experiência mística em 30 etapas – e na do místico Franciscano, Boaventura de Bagnoreggio (1221-1274), autor de L’Itinerarium mentis in Deum.
Foi influenciado por Santo Anselmo, tendo feito “renascer” o argumento ontológico demonstrativo da existência de Deus.
Para S. Boaventura, a fé é superior à ciência. Pela fé atinge-se a verdade, enquanto que a ciência se limita a aniquilar a dúvida.
Considera que a alma que se conhece a si mesma, conhece Deus, sem que haja auxílio ou intervenção dos sentidos. Deus é a origem de tudo, realizando a criação a partir do nada.
A alma, criação de Deus, entidade que anima o corpo – doutrina platónica –, é substância espiritual distinta deste, e como tal não está sujeita à corrupção e é imortal, tendo por fim último alcançar a beatitude no seio do Ser supremo.
O êxtase é a união do homem com o seu criador, estado em que participa da sua essência. 

Debrucemo-nos agora em S. Tomás de Aquino (1225-1274), no nosso entender o maior dos filósofos escolásticos.  
S. Tomás foi desde sempre um filósofo que recebeu os maiores méritos e reconhecimentos da Igreja. Foi canonizado pelo papa João XXII no ano de 1323. Durante as sessões do Concílio de Trento, a sua fama de teólogo universal, fez com que a Suma Teológica fosse colocada no altar, lado a lado com a Bíblia. S. Pio V proclamou-o em 1567 Doutor da Igreja, e as suas obras eram as aprovadas por praticamente todas as universidades teológicas – católicas. Em 1879, o papa Leão XIII, na encíclica Aeterni Patris, exaltou os méritos do teólogo, propondo-o como inspirador da teologia a ensinar em todas e quaisquer instituições do mundo católico, considerando-se o seu sistema como o único verdadeiro. Esta proposta foi recolhida pelo Código de Direito Canónico de 1918, e no Concílio Vaticano II, bem como no Código de 1983. Estranha atitude de consagração de uma obra, que o próprio autor desprezou – vide infra.
No dia 6 de Dezembro de 1273 – festa de São Nicolau de Bari –, três meses antes da sua morte, enquanto celebrava missa no convento de Nápoles, S. Tomás experimentou uma espécie de êxtase, após o qual abandonou a escrita da sua obra mais conhecida, a Suma Teológica, obra que estava a terminar. A partir daí, não escreveu mais uma única linha. Questionado pelos monges de tão estranha atitude, respondeu: “Já não posso mais, porque tudo o que escrevi me parece palha”.

Bacon foi denominado “Doctor mirabilis”. Frade franciscano, teólogo, alquimista e místico, pode ser considerado um percursor da ciência moderna, não obstante tenha vivido no século XIII. Tinha a paixão das ciências. Julgou a lógica inútil e considerou ser a matemática a única fonte de certeza não revelada.
A sua investigação – tendo em vista a experiência externa – incidiu sobre a astronomia, a matemática, a história natural, a óptica e a gramática.
A investigação interna corresponde à via do misticismo, que engloba sete graus:
- da iluminação científica;
- das virtudes;
- dos dons do Espírito Santo;
- das bem-aventuranças;
- dos sentidos espirituais;
- da paz de Deus; e
- do êxtase.

A mística do amor é segundo Thomas de Kempis (falecido em 1471), uma Imitação de Cristo.

Podemos ainda considerar a existência de uma mística feminina, que Mircea apelida de mística da eucaristia – “para elas, a eucaristia, na qual Cristo se transforma em pão, torna-se o símbolo da sua transformação: renunciando ao alimento, estas místicas transformam-se a elas próprias em alimento”.

Na Igreja Ocidental o misticismo progrediu em quatro frentes fundamentais, que apesar de tudo, acabam por se aliar, ainda que parcialmente. Já falámos da teologia negativa, de uma mística do amor, da especulativa, e da eucaristia, assim apelidada por Mircea e que tem o feminino como maior representação. Na Igreja Oriental, o mundo Ortodoxo assume um carácter mais técnico com a doutrina hesicasta fundada por Gregory Palamas (1295-1359) que evolui no sentido de exercícios, respiração e meditação (oração do coração) que lembram métodos hindus e do Sufismo.
Para além da oração do coração, ainda podemos falar da “oração perpétua”, onde o nome de Jesus é repetido incessantemente como um mantra. Uma das fórmulas – ou mantra – muito utilizada pelos religiosos, que é repetida sem cessar, “Senhor Jesus tende piedade de mim”.


*** 


Na Igreja Católica, os místicos foram perseguidos pelo Santo Ofício da Inquisição.
Margarida Porete foi queimada em 1310. Mestre Eckart, S. João da Cruz e a própria Teresa de Ávila sofreram perseguições e foram alvo de suspeições.

É de todo natural, que místicos, homens e mulheres da Igreja completamente desprendidos das coisas e vantagens materiais, Ordens mendicantes e de pobreza, que buscavam antes de tudo a imitação do Jesus evangélico, fossem alvo de uma instituição rica e poderosa, muitas vezes viciosa, imoral e criminosa. “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz”.
Estes Santos, despidos de toda a ambição e apegos, amorosos devotos de um Cristo pobre e humilde, palavra da sua própria palavra, exemplo do seu exemplo, foram incómodos espinhos cravados nos calcanhares de uma Igreja com pés de barro.
Não se justifica fazer desfilar exaustivamente os sucessivos factos, que demonstram inequivocamente a corrupção de uma Igreja opulenta, onde grande parte dos seus dirigentes viveu durante séculos na plena abastança, cercados por uma miríade de vícios que à carne tanto prazem, queimando ou excomungando a seu bel-prazer os indesejáveis, e sendo autora material, moral, ou cúmplice das maiores atrocidades e violências, desde que de tais actos lhe adviessem vantagens – infra, (A Taxa Camarae…) procurámos descrever, ainda que muito sinteticamente, o tempo em que Teresa de Jesus e João da Cruz viveram, o que de algum modo explica as perseguições de que foram alvo.

A Igreja de Roma deveria ter aprendido com os seus erros, e com as múltiplas ofensas que fez à pessoa de Jesus.
Seria reconfortante, que o Vaticano fosse mais do que um santuário de riqueza, ostentação, opulência, corrupção, grupos secretos de interesses e palavras vãs, tudo ao arrepio dos ensinamentos daquele que invocam como o seu Deus.

Devemos esquecer o passado, aceitar as desculpas dos erros e pecados de uma Igreja historicamente pecaminosa, à imagem do homem, mas apenas quando surgirem no horizonte “sinais” de verdadeira mudança, num sincero arrependimento. No fundo, é isso que a própria Igreja advoga para os seus fiéis. 
Se à grande maioria dos fiéis basta um papa, por muito santo que pareça ou seja, a nós não nos satisfaz a mera aparência institucional encarnada num único homem, falível como os demais – não iremos aqui discutir, por despicienda, a declaração feita no século XIX da infalibilidade do papa, pelo Concílio Vaticano I. 
Já o dissemos muitas vezes: “As palavras não são as coisas”. A forma do fruto é boa, mas continua a esconder, ainda que a contragosto, uma substância interior pecaminosa e degradada. 
Se “o pecado começa na igreja”, terá de ocorrer nela, em primeira instância, a purificação da sua própria alma.
Ratzinger renunciou para ir para a reclusão. Julgo que muito poucos o entenderam. Também eu tenho optado pela reclusão possível, e não sou o papa Ratzinger, nem sou possuidor das suas motivações e conhecimentos.
Que da Igreja, de qualquer Igreja, de qualquer religião seja ela qual for, se exaltem os frutos não corrompidos, e desde que não seja possível a sua reabilitação, sejam transformadas em cinzas as árvores estéreis e rejeitados os frutos apodrecidos e contaminadores.  

***

Não se interpretem as minhas palavras como um mero ataque gratuito ao Cristianismo, à Igreja Católica, ou a qualquer outra instituição. 

Tal como o Profeta Job, com os mesmos desejos e angústias, tenho dito para mim:
“Assim como o servo deseja a sombra, e como o jornaleiro espera o fim da sua obra, assim eu tive os anos (o profeta refere meses) vazios e contei as noites trabalhosas para mim. Se dormir, direi: quando chegará o dia em que me levantarei? E logo voltarei a esperar pela tarde e serei cheio de dores até às trevas da noite” (VII, 2).
Não há noite, por mais tormentosa e virulenta, que a janela do meu coração não fique aberta. Espero com humildade e sinceridade, que em qualquer momento, antes da hora do meu passamento, que O que tiver de vir, se assim Lhe aprouver virá, ou mostrar-se-á no Castelo Interior, preenchendo o vazio do meu espírito, aceitando o facto de que a minha vontade é um nada no tudo da d'Ele.

Que o exemplo de Francisco de Assis, entre outros, e dos Doutores da Igreja Teresa de Ávila e João da Cruz iluminem as Religiões do mundo, a Igreja Católica e os homens de boa vontade.



JOSÉ MARIA ALVES

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A TAXA CAMARAE - A IDADE DA CORRUPÇÃO E DO PECADO NA IGREJA







A TAXA CAMARAE – A IDADE DA CORRUPÇÃO E DO PECADO DA IGREJA 



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Nesta sede, iremos compreender melhor os motivos determinantes – não os aparentes, mas os substanciais – da perseguição da Igreja Católica aos místicos.


***


Não há possibilidade com os meios existentes de qualificar como autêntico um documento denominado Taxa Camarae atribuído ao papa Leão X.
Não nos interessa nem releva o facto do documento ter sido posto em causa por uma “seita fanática” argentina – Instituto do Verbo Encarnado, www.apologetica.org . 
Não nos devemos também deixar influenciar pela narrativa histórica da vida do papa Leão X, que como outros papas da sua época, não terá sido exemplar.
Não importa quem suscita dúvidas ou expende opiniões, e de quem foi o presumível autor de um qualquer acto delituoso - não sabemos sequer como qualificar a dita Taxa… -, mas a pesquisa imparcial da eventual veracidade do objecto dessas dúvidas. 

Vejamos:
A Taxa Camarae foi publicada em diversas fontes e ao que parece em italiano, francês e espanhol.
No entanto, a referência bibliográfica conhecida e mais antiga onde é mencionada a dita Taxa Camarae, é o Dicionário de Controvérsia, numa edição de finais do século XIX, talvez 1882, tendo por autoria Teófilo Gay. Mas em nenhuma edição onde o documento é citado e transcrito encontramos a referência à sua fonte original. 

Apesar de podermos encontrar o documento em mais do que uma edição, ninguém durante todo este tempo pôs em causa a sua autenticidade, o que também não se constitui como prova da mesma.
Até que P. Rodríguez o incluiu na sua obra, Mentiras Fundamentais da Igreja Católica, Terramar, como anexo, escrevendo a título introdutório: “A Taxa Camarae é um tarifário promulgado em 1517 pelo papa Leão X (1513-1521) destinado a vender indulgências, ou seja, o perdão das culpas, a todos quantos pudessem pagar umas boas libras ao pontífice. Como veremos na transcrição que se segue, não havia delito, por mais horrível que fosse, que não pudesse ser perdoado a troco de dinheiro. Leão X declarou aberto o céu para todos aqueles, fossem eles clérigos ou leigos, que tivessem violado crianças e adultos, assassinado uma ou várias pessoas, abortado... desde que se mostrassem generosos com os cofres papais”.
Rodríguez descobriu o documento por mero acaso, aquando de uma visita de férias a Paris. Um padre jesuíta falou-lhe da existência da Taxa, facultando-lhe uma cópia da mesma obtida numa biblioteca da Sorbonne, num livro cuja edição dataria da primeira década do século XX.
Alguns estudiosos referiram-lhe que esta taxa seria verdadeira e um dos motivos fundamentais da “ruptura” de Lutero. Nada encontramos neste sentido, apesar de existirem ligações entre o pontificado desastroso de Leão X e a manifesta insatisfação de muitos cristãos, encabeçados por Martinho Lutero. 
Também não nos interessa de modo algum, a circunstância narrada por P. Rodríguez na web, de ter recebido ameaças, que se estenderam a outros editores que a editaram nos seus sites e blogues.

O documento original pode existir, estando profundamente “escondido” nos arquivos secretos do Vaticano, como muitos outros, nomeadamente dos séculos XVI e XVII. Aí, poderá ser um original promulgado por Leão X ou indevidamente elaborado por um bispo ou outro membro da Igreja Católica, sem ou com o consentimento do seu representante máximo. Pode ter sido falsificado à época, ou ser uma falsificação tardia.
Provavelmente, só a muito custo, poderemos avaliar com a certeza necessária a validade da Taxa Camarae, ainda que a intuição nos dite pelas circunstâncias da época, uma qualquer adesão.



 TAXA CAMARAE


1. O eclesiástico que cometa o pecado da carne, seja com freiras, seja com primas, sobrinhas ou afilhadas suas, seja, por fim, com outra mulher qualquer, será absolvido, mediante o pagamento de 67 libras, 12 soldos.  

2. Se o eclesiástico, além do pecado de fornicação, quiser ser absolvido do pecado contra a natureza ou de bestialidade, deve pagar 219 libras, 15 soldos. Mas se tiver apenas cometido pecado contra a natureza com meninos ou com animais e não com mulheres, somente pagará 131 libras, 15 soldos.  

3. O sacerdote que desflorar uma virgem pagará 2 libras, 8 soldos.  

4. A religiosa que quiser alcançar a dignidade de abadessa depois de se ter entregado a um ou mais homens simultânea ou sucessivamente, quer dentro, quer fora do seu convento, pagará 131 libras, 15 soldos.  

5. Os sacerdotes que quiserem viver maritalmente com parentes pagarão 76 libras e 1 soldo.  

6. Para todos os pecados de luxúria cometidos por um leigo, a absolvição custará 27 libras e 1 soldo; no caso de incesto, acrescentar-se-ão em consciência 4 libras.  

7. A mulher adúltera que queira ser absolvida para estar livre de todo e qualquer processo e obter uma ampla dispensa para prosseguir as suas relações ilícitas, pagará ao Papa 87 libras e 3 soldos. Em idêntica situação, o marido pagará a mesma soma; se tiverem cometido incesto com os seus filhos acrescentarão em consciência 6 libras.  

8. A absolvição e a certeza de não serem perseguidos por crimes de rapina, roubo ou incêndio, custará aos culpados 131 libras e 7 soldos.  

9. A absolvição de um simples assassínio cometido na pessoa de um leigo é fixada em 15 libras, 4 soldos e 3 dinheiros.  

10. Se o assassino tiver morto a dois ou mais homens no mesmo dia, pagará como se tivesse apenas assassinado um.  

11. O marido que tiver dado maus tratos à sua mulher, pagará aos cofres da chancelaria 3 libras e 4 soldos; se a tiver morto, pagará 17 libras, 15 soldos; se o tiver feito com a intenção de casar com outra, pagará um suplemento de 32 libras e 9 soldos. Se o marido tiver tido ajuda para cometer o crime, cada um dos seus ajudantes será absolvido mediante o pagamento de 2 libras.  

12. Quem afogar o seu próprio filho pagará 17 libras e 15 soldos; caso matem o próprio filho, por mútuo consentimento, o pai e a mãe pagarão 27 libras e 1 soldo pela absolvição.  

13. A mulher que destruir o filho que traz nas entranhas, assim como o pai que tiver contribuído para a perpetração do crime, pagarão cada um 17 libras e 15 soldos. Quem facilitar o aborto de uma criatura que não seja seu filho pagará menos 1 libra.  

14. Pelo assassinato de um irmão, de uma irmã, de uma mãe ou de um pai, pagar-se-á 17 libras e 5 soldos.  

15. Quem matar um bispo ou um prelado de hierarquia superior terá de pagar 131 libras, 14 soldos e 6 dinheiros.  

16. O assassino que tiver morto mais de um sacerdote, sem ser de uma só vez, pagará 137 libras e 6 soldos pelo primeiro, e metade pelos restantes.  

17. O bispo ou abade que cometa homicídio por emboscada, por acidente ou por necessidade, terá de pagar, para obter a absolvição, 179 libras e 14 soldos.  

18. Quem quiser comprar antecipadamente a absolvição, por todo e qualquer homicídio acidental que venha a cometer no futuro, terá de pagar 168 libras, 15 soldos.  

19. O herege que se converta pagará pela sua absolvição 269 libras. O filho de um herege queimado, enforcado ou de qualquer outro modo justiçado, só poderá reabilitar-se mediante o pagamento de 218 libras, 16 soldos, 9 dinheiros.  

20. O eclesiástico que, não podendo saldar as suas dívidas, não quiser ver-se processado pelos seus credores, entregará ao pontífice 17 libras, 8 soldos e 6 dinheiros, e a dívida ser-lhe-á perdoada.  

21. A licença para instalar pontos de venda de vários géneros, sob o pórtico das igrejas, será concedida mediante o pagamento de 45 libras, 19 soldos e 3 dinheiros.  

22. O delito de contrabando e as fraudes relativas aos direitos do príncipe custarão 87 libras e 3 dinheiros.  

23. A cidade que quiser obter para os seus habitantes ou para os seus sacerdotes, frades ou monjas autorização de comer carne e lacticínios nas épocas em que está vedado fazê-lo, pagará 781 libras e 10 soldos.  

24. O convento que quiser mudar de regra e viver com menos abstinência do que a que estava prescrita, pagará 146 libras e 5 soldos.  

25. O frade que para sua maior conveniência, ou gosto, quiser passar a vida numa ermida com uma mulher, entregará ao tesouro pontifício 45 libras e 19 soldos.  

26. O apóstata vagabundo que quiser viver sem travas pagará o mesmo montante pela absolvição.  

27. O mesmo montante terá de pagar o religioso, regular ou secular, que pretenda viajar vestido de leigo.  

28. O filho bastardo de um prior que queira herdar a cura de seu pai terá de pagar 27 libras e 1 soldo.  

29. O bastardo que pretenda receber ordens sacras e usufruir de benefícios pagará 15 libras, 18 soldos e 6 dinheiros.  

30. O filho de pais incógnitos que pretenda entrar nas ordens pagará ao tesouro pontifício 27 libras e 1 soldo.  

31. Os leigos com defeitos físicos ou disformes, que pretendam receber ordens sacras e usufruir de benefícios pagarão à chancelaria apostólica 58 libras e 2 soldos.

32. Igual soma pagará o cego da vista direita, mas o cego da vista esquerda pagará ao Papa 10 libras e 7 soldos. Os vesgos pagarão 45 libras e 3 soldos. 

33. Os eunucos que quiserem entrar nas ordens pagarão a quantia de 310 libras e 15 soldos.  

34. Quem por simonia quiser adquirir um ou mais benefícios deve dirigir-se aos tesoureiros do Papa que lhos venderão por um preço moderado.  

35. Quem por ter quebrado um juramento quiser evitar qualquer perseguição e ver-se livre de qualquer marca de infâmia, pagará ao Papa 131 libras e 15 soldos. Pagará ainda por cada um dos seus fiadores a quantia de 3 libras.   

Fonte: Rodríguez, Pepe, obra citada.


***

Na Idade Média os papas alternavam – que me seja desculpado o termo. Por um lado, religiosos de devoção e prática de vida exemplares, por outro, cidadãos poderosos sem moralidade, alguns verdadeiros criminosos na mais rigorosa acepção do termo, como infra exemplificaremos.
A imoralidade da Igreja Romana não era secreta, mas escândalo público. Este facto terá conduzido à Reforma de Lutero.  


O papa Urbano II (1088-1099) instituiu em 1095 o Callagium, taxa anual de liberação sexual pagável ao papado, que permitia aos “membros” do clero ter amantes. Segundo alguns historiadores, a taxa não surtiu o efeito de colecta esperado – nos mosteiros e nas paróquias ter-se-á assistido por “substituição” a um aumento da homossexualidade
Anacletus (1130-1138) terá cometido incesto com uma irmã e outras mulheres da família, bem como “usado” para a sua lascívia, freiras e noviças. 
Clemente VI (1342-1352) foi descrito por Petrarca como “um Dionísio eclesiástico, com suas artimanhas infames e obscenas”, já que tinha relações sexuais com prostitutas, e tinha bastantes amantes. 
Pio II (1458-1464) terá tido doze filhos, se mais não teve. 
Paulo II (1464-1471), considerado homossexual e sádico, tinha uma apetência especial em ver homens nus submetidos a tortura. 
Inocêncio VIII (1484-1492) terá tido sete filhos ilegítimos e outras tantas filhas (que reconhecia publicamente). O seu pontificado ficou conhecido na história como a Era de Ouro dos Bastardos. No leito de morte terá feito um último pedido: mamar numa ama-de-leite… 
Júlio II (1503-1513) contratou Miguel Ângelo para pintar a Capela Sistina e era pedófilo, ocupando parte do seu tempo com meninas e meninos. 
Paulo III (1534-1549) tinha relações incestuosas com a irmã. Com intuitos patrimoniais terá morto por envenenamento a própria mãe e uma sobrinha, e dois cardeais e um bispo por razões teológicas. Estranha é a afirmação de que tinha na sua posse uma lista de cerca de 40.000 prostitutas que pagavam uma taxa mensal ao papado. 
Júlio III, homossexual, terá sodomizado o próprio filho.  

Muitos outros, mais antigos, contemporâneos, e posteriores, cometeram graves delitos e atrocidades, que para aqui não relevam, por desnecessário para a caracterização da época.

Mas, atentemos agora em Leão X. Enquanto Giovanni di Lorenzo de Medici estudou Teologia e Direito Canónico. Foi Bispo e depois Cardeal.
Terá esvaziado os cofres do Vaticano. Referem alguns historiadores que estimulou a venda de indulgências e de relíquias – cuja autenticidade seria em grande parte dos casos duvidosa – e que com a sua conduta “quase-pagã” despoletou a indignação de muitos religiosos, que seguiram Martinho Lutero na Reforma Protestante, fazendo com que o cristianismo europeu perdesse a sua unidade.

Lutero afixou as suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg. Em Junho de 1520, Leão X emitiu uma bula – Exsurge Domini – onde censurava e ameaçava o seu autor com a excomunhão. Lutero foi excomungado no ano de 1521, ano que Leão X faleceu – 1 de Dezembro.

***

Se bem atentarmos, os factos delituosos descritos na Taxa Camarae estão em conformidade com os “pecados” da época. Muitos papas, cardeais, bispos e padres praticavam à revelia da doutrina que diziam professar os mais horrendos crimes. Não nos admira, que num panorama diabólico surgisse um documento que os liberasse das devoradoras chamas do Inferno.
Mas tal facto, também não nos assevera a autenticidade do documento, antes a sua perfeita adequação prática à época. Não mais do que isso. 

Não se diga, que os factos supra, mesmo que aditados por muitos outros, podem destruir a Igreja.
Napoleão terá dito uma vez, que aniquilaria a Igreja. Um cardeal, então, ter-lhe-á respondido: “Mas nem mesmo nós fomos capazes de fazê-lo!”...


JOSÉ MARIA ALVES

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SANTA TERESA DE ÁVILA - BIOGRAFIA E OBRAS





SANTA TERESA DE JESUS OU TERESA DE ÁVILA – DOUTORA DA IGREJA





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Aquela que viria a ser conhecida como Teresa de Ávila e Teresa de Jesus, de seu verdadeiro nome Teresa de Cepeda y Ahumada, nasceu em 1515 na província de Ávila em Castela, filha de Alonso Sánchez de Cepeda e de Beatriz de Ahumada y Cuevas. A mãe criou Teresa com profunda devoção na fé cristã.
Desde muito cedo, que Teresa demonstrou um grande interesse pelos escritos atinentes à vida dos santos.
A mãe morre em 1528 e Teresa atingida por uma profunda tristeza encontrou na devoção à Virgem Maria o seu maior refúgio, considerando-a a partir daí sua “mãe espiritual”.
Em 1531 entra para o Convento de Nossa Senhora da Graça, escola de freiras agostinianas com sede em Ávila, na qualidade de interna. 
Passado pouco tempo adoece e sai do convento, retornando a casa do pai, onde se ocupa com leituras espirituais e se exercita na prática da “oração mental”. Recuperada a saúde, no ano de 1536, Teresa entra no Convento da Encarnação e toma o hábito a 2 de Novembro. 
No ano seguinte, professa no Carmelo.

É interessante anotar que no ano de 1542, nasce S. João da Cruz, cuja obra mística se encontra estreitamente ligada à de Teresa de Jesus.

Teresa desenvolve vários métodos de oração e atinge progressivamente estádios avançados na “união com Deus”. Já estamos em 1556 quando alguns “espirituais” sugerem que o conhecimento revelado a Teresa tinha a sua origem no demónio e não em Deus Pai, no Seu Filho, ou no Espírito Santo. No entanto, o seu confessor assegura-lhe o contrário.
No ano de 1558, Teresa encontra-se com S. Pedro de Alcântara. No ano seguinte, no dia de S. Pedro, diz que Cristo lhe terá aparecido, ainda que invisível. Durante algum tempo, continuou a ter visões, e numa delas um Serafim tê-la-á trespassado com uma lança de ouro com uma pequena chama na ponta. “Ele parecia para mim estar lançando-a por vezes no meu coração e perfurando as minhas entranhas; quando a puxava de volta, parecia levá-las junto também, deixando-me inflamada com um grande amor de Deus”. A dor seria tão intensa que a fazia gemer, mas julgava-a tão doce que não queria que ela terminasse. Esta visão constitui-se como a inspiração de Bernini para a execução da escultura que podemos considerar como uma das obras-primas da arte mundial.
Teresa, na tentativa de imitar Cristo, aceitou e procurou o sofrimento da paixão, o que se reflecte na expressão: “Senhor, ou me deixe sofrer ou me deixe morrer”.

Constatando os muitos males que assolavam o Convento Carmelita da Encarnação, Teresa em 1560 motivada pelo encontro que teve com S. Pedro de Alcântara, decide com algumas companheiras fundar um convento com as regras primitivas do Carmelo. Em 1562 funda o Convento de S. José, numa enorme pobreza, onde passa a residir a partir do ano de 1563. Durante cinco anos, Teresa manteve-se em quase total reclusão e dedicou-se à escrita, não obstante tenham sido criados vários mosteiros e no ano de 1567 se tenha dado o seu primeiro encontro com João da Cruz, que em 1568 funda o primeiro mosteiro de frades carmelitas descalços em Duruelo.
Em 1572 João da Cruz é nomeado capelão do Convento da Encarnação.
A partir de 1575 Teresa e a sua Ordem passa a ser objecto de perseguições. 
Em 1577, no meio de inúmeras vicissitudes, Teresa escreve a sua obra-prima, O Castelo Interior. Neste ano, cinquenta freiras são excomungadas e S. João da Cruz é raptado.
Só em 1579 os processos instaurados contra si pelo Santo Ofício da Inquisição são arquivados, terminando as perseguições.

Nos cerca de vinte anos da sua acção reformadora foram fundados inúmeros conventos e mosteiros.
Teresa terá falecido no dia 15 de Outubro de 1582 – no dia em que se aprovou o calendário gregoriano em detrimento do juliano – numa viagem que realizava entre Burgos e Alba de Tormes. Foi sepultada nesta última localidade, onde repousam as suas relíquias.
As suas últimas palavras terão sido:
"Meu Senhor, é hora de seguir adiante. Pois bem, que seja feita Tua vontade. Ó meu Senhor e meu Esposo, a hora que tanto esperei chegou. É hora de nos encontrarmos!".

Em 1622, Teresa foi canonizada por Gregório XV. 
Em 27 de Dezembro de 1970, Teresa de Jesus foi distinguida pelo Papa Paulo VI com o título de Doutora da Igreja. Foi a primeira mulher, conjuntamente com Catarina de Sena a ser proclamada doutora da Igreja.


***


OBRAS

As principais obras de Teresa de Jesus (e de S. João da Cruz), estão entre as mais excelentes da  mística Cristã.
A "Autobiografia", escrita cerca do ano 1565, sob a direcção de seu confessor, fr. Pedro Ibánez.
"O Caminho da Perfeição", também escrito sob a direcção de Ibánez.
"Meditações sobre o Cântico do Cânticos" (1567).
"O Castelo Interior", na qual a alma é comparada a um castelo com sete moradas.
"Relações", uma ampliação da sua autobiografia onde nos narra as suas experiências internas e externas na forma de epístolas.
Poemas.

Deixo-vos com um dos mais conhecidos, que é simultaneamente uma oração:

Nada te inquiete,
nada te assuste;
pois tudo passa,
Deus nunca muda.
A paciência alcança tudo.
Quem Deus possui
nada lhe falta.
Só Deus nos basta.



JOSÉ MARIA ALVES

(BLOGUE PESSOAL)

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O CASTELO INTERIOR - SANTA TERESA DE ÁVILA






SANTA TERESA DE JESUS OU TERESA DE ÁVILA – DOUTORA DA IGREJA  (CONT.)



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O CASTELO INTERIOR



PRIMEIRAS MORADAS

O Capítulo I “trata da formosura e dignidade das nossas almas. Trata ainda das mercês que recebemos de Deus, e como a porta deste castelo (alma) é a oração”.

No centro dos ensinamentos de Santa Teresa de Jesus, encontra-se como melhor veremos, a oração.

O Castelo Interior foi escrito no ano de 1577, para benefício das freiras dos mosteiros de Nossa Senhora do Carmo, com o objectivo de lhes aclarar algumas dúvidas de oração, bem como de as orientar no caminho espiritual para o Senhor.

A Santa suplica a Deus que fale por ela e começa por considerar a nossa alma como um castelo todo de diamante, onde existem inúmeros aposentos.
E começa por falar da alma, porque todo o caminho parte dela, não obstante tenha a consciência de “que por nossa culpa, não nos entendamos a nós mesmos, nem saibamos quem somos”.
No seu entender e por motivo da sua experiência mística, necessitamos de ir além dos nossos próprios corpos e conhecer a alma de modo directo e não, apenas, por intermédio da fé. Conhecer a alma e quem está dentro dela.

Este Castelo (a alma) tem muitas moradas: “umas no alto, outras em baixo, outras aos lados; e, no centro e meio de todas estas, tem a mais principal onde se passam as coisas mais secretas entre Deus e a alma”.
Para que entremos no “nosso deleitoso castelo”, locução que nos surge na aparência como uma contradição, mas que o não é; são muitos os autores de obras espirituais e santos que aconselham à alma que entre dentro de si mesmo. A tal obstam as coisas e negócios do mundo, a ambição, o desejo, o prazer do efémero.
É pela oração, porque “as almas que não têm oração são como um corpo paralítico ou tolhido que, embora tenha pés e mãos, não os pode mexer”, e pela reflexão, mental ou vocal, que se abrem os portais da entrada do Castelo.

O Capítulo II “trata de como é feia coisa a alma que está em pecado mortal, e como quis Deus dar a entender algo disto a uma pessoa. Trata também do conhecimento próprio”.

De nenhum proveito servirão os esforços daquele que pretende entrar num “castelo tão resplandecente e formoso, esta pérola oriental, esta árvore de vida que está plantada nas mesmas águas vivas da Vida, que é Deus, quando cai em pecado mortal”.
Há pois, que expurgar a morada de Deus de todas as trevas e imundícies, libertando-a do mal, para que o Altíssimo se torne visível.
Teresa ouviu uma vez a um homem espiritual, “que não se espantava do que fazia quem está em pecado mortal, mas sim do que não fazia”.

No castelo de muitas moradas, a chegada ao palácio onde está Deus, faz-se palmo a palmo, percorrendo aposento a aposento, sempre objetivando o nosso conhecimento interior, munidos de infinita paciência e humildade.
Conhecemo-nos ao procurarmos conhecer Deus que habita em nós – o Reino de Deus está dentro de nós. Conhecê-Lo não significa que o possamos compreender, porque a nossa razão está limitada pelo tempo e pelo espaço e a d’Ele não. Por outro lado, nas palavras da Santa, “terríveis são os ardis e manhas do demónio (do mal, diremos nós) para que as almas não se conheçam a si mesmas nem entendam Seus caminhos”.
Para combater o Mal do mundo, ou o príncipe deste, que nos atalha a entrada na primeira morada, teremos de contar com o auxílio de Deus, entendendo quão “miserável é a vida em que vivemos!”.

Não se pense, que neste aposento Deus esteja já na nossa proximidade. As coisas do mundo não permitem a visão à alma de quase nada da luz que sai do Seu palácio. Tenha-se também em atenção que o Mal pode iludir-nos, mostrando-nos luz onde só há trevas. Para que nos libertemos dele necessitamos de começar por nos libertar dos nossos condicionamentos, desejos e aversões, perseverando na oração.
Havendo amor de Deus e do próximo, estará dado o primeiro passo para repelir o mal que ensombra o nosso castelo interior. 


SEGUNDAS MORADAS

“Trata do muito que importa a perseverança para chegar às últimas moradas, e a grande guerra que dá o demónio, e quanto convém não errar o caminho no princípio para acertar.”  

O Senhor diz: “quem anda no perigo, nele perece e que a porta para entrar neste castelo é a oração. Ora, pensar que havemos de entrar no Céu e não entrar em nós, conhecendo-nos e considerando nossa miséria e o que devemos a Deus e pedindo-lhe muitas vezes misericórdia, é desatino”.

A segunda morada é a dos que já estão iniciados e deram firme continuidade à oração, e que têm a determinação suficiente para prosseguir no caminho que conduz a Deus.

Nesta morada, quem nela entrou, já começa a entender o “chamamento” que o Senhor lhe faz, por estar d’Ele mais perto, como mais perto estará da sua misericórdia e bondade. Ainda que ocupados com os negócios e bugiarias do mundo, a Sua voz doce far-se-á ouvir, por intermédio de muitas coisas.
A perseverança será uma das virtudes principais da alma que intenta atingir Deus no seu próprio âmago, já que o mal do mundo e a sua falsidade, irão cercá-la com constância, desviando-a do seu rumo. As apetências maléficas e os incómodos são tantos e tão cruéis para a alma, “que não sabe se há-de passar adiante ou voltar ao primeiro aposento!”.
Refere a Santa com insistência a necessidade que tem a alma de “vencer os demónios”, e que “todo o inferno se juntará para fazê-la tornar a sair para fora (do castelo onde entrou) ”. Neste sofrimento atroz, só o auxílio de Deus poderá fazer com que não sucumba aos ataques do Mal (“vai pelejar com todos os demónios e não há melhores armas do que as da cruz”). 


TERCEIRAS MORADAS

O Capítulo I “trata da pouca segurança que podemos ter enquanto se vive neste desterro, ainda que o estado seja elevado. E como convém andar com temor”. 

Que pode mais a Santa dizer aos que entrarem nestas terceiras moradas que “bem-aventurado o varão que teme o Senhor”?
Aquele que nelas entrar, se não voltar atrás, “leva caminho seguro na sua salvação”.
O caminhante terá de encontrar a paz na “sua casa”, porque não a tendo na sua, como a irá encontrar “na casa alheia”? Terá de confiar em Deus que o levará de aposento em aposento e o meterá “naquela terra” onde o Mal não mais o poderá apoquentar.

Escreve a Santa: “Ó meu Senhor e meu Bem! Como quereis que se deseje vida tão miserável, se não é possível deixar de querer e pedir que nos tireis dela, se não é com esperança de perdê-la por Vós ou gastá-la em Vosso Serviço, e sobretudo entender que é Vossa vontade? Se o é, Deus meu, morramos convosco, como disse S. Tomé, porque não é outra coisa senão morrer muitas vezes o viver sem Vós e com estes temores de que pode ser possível perder-Vos para sempre”.

Adverte as suas irmãs que nem só a penitência, oração e o afastamento das coisas do mundo bastam. Incita-as a meditar continuamente no seguinte versículo:
Beatus vir, qui timet Dominum”, ou seja, bem-aventurado o Homem que teme ao Senhor.  
Por outro lado, entrando nestas moradas, devem tirar “das securas humildade e não inquietação (…) ”

O Capítulo II “prossegue no mesmo tema e trata das securas na oração e do que poderia suceder, a seu parecer, e como é míster provar-nos o que o Senhor prova aos que estão nestas moradas”.

Diz a Santa ter conhecido bastantes almas, que chegaram a este estado e que viveram muitos anos na rectidão e conciliação de corpo e alma; no entanto, quando se sentiam como “senhores do mundo”, Deus provou-as “em coisas não muito grandes”, andando a partir daí em grande inquietação e enorme aperto de coração.

Deste modo, pede às Irmãs que se esforcem, deixando as suas fraquezas e temores nas mãos de Deus, caminhando depressa na Sua direcção, procurando viver em silêncio e esperança. 
Com a virtude e persistência da oração, conformando pacientemente a sua vontade com a de Deus, e confiando-Lhe os seus temores e desassossego, proveitosa será a permanência neste aposento e inevitável a subida a novas moradas.  


QUARTAS MORADAS

O Capítulo I “trata da diferença que há entre ternuras na oração e gostos, e diz o contento que lhe deu entender que é coisa diferente o pensamento e o entendimento”. 

Para começar a falar das quartas moradas a Santa encomenda-se ao Espírito Santo para que por ela fale, já que começa a tratar de coisas sobrenaturais, sendo dificultoso dá-las a entender.

Estas moradas já estão mais perto de Deus, sendo grande a sua formosura e muitas as coisas delicadas para ver e entender.
Nelas, poucas vezes entram as coisas “peçonhentas” e se entram, não é dano que fazem, mas deixam lucro.

Neste estado, mais do que pensar muito é necessário amar muito, não permitindo que a alma esteja em união com Ele e o pensamento nos arredores do castelo, “padecendo cem mil animais ferozes e peçonhentos”.

Diz por ouvir dizer que a parte superior da alma está na parte superior da cabeça. Assim sendo, a sucessão (barafunda) de pensamentos terá forçosamente de a perturbar.

O Capítulo II “prossegue no mesmo e declara por uma comparação o que são gostos e como se hão-de alcançar não os procurando”.

Chama gostos de Deus à “oração de quietude”. 
Aconselha as irmãs em não pensar que merecem as graças e gostos do Senhor, nem que as devem ter na vida. Esses gostos são bens que não podem ser expressos por palavras, e que a própria alma não entende o que se passa em tais delícias.

É justo que se pergunte à Santa no que respeita aos ditos gozos: “desta maneira, como se hão-de alcançar não os procurando?”
Segundo ela, esta é a melhor via. Amar Deus sem interesse. Por outro lado, é manifesta falta de humildade “pensar que, por nossos serviços miseráveis, se há-de alcançar coisa tão grande”.
Termina o capítulo dizendo:
“Suas somos, irmãs; faça de nós o que quiser, leve-nos por onde for servido:”

O Capítulo III “trata do que é a oração de recolhimento. Na maior parte das vezes, a dá o Senhor antes da oração acima dita. Diz seus efeitos e os que ficam da oração anterior em que tratou dos gostos que o Senhor dá”.

Diz-nos que são muitos os efeitos desta oração de que apenas nos dirá alguns, dizendo-nos primeiramente, outra forma de oração que começa quase sempre antes desta. 
Trata-se de um recolhimento que lhe parece sobrenatural, “porque não é estar às escuras nem cerrar os olhos, nem consiste em coisa alguma exterior, posto que, sem o querer, se faça isto de cerrar os olhos e desejar soledade”.

A alma entra dentro de si e outras vezes “sobe sobre si”, chamada por Deus, quando nos esquecemos de nós mesmos e dos nossos proveitos, regalos e gostos.

Faz uma advertência às irmãs de dois perigos:
- em primeiro lugar, “algumas, de muita penitência, oração e vigílias e ainda sem isto, são fracas de compleição; em tendo algum consolo, sujeita-as o natural; e, como sentem algum contento interior e quebrantamento exterior e uma fraqueza, quando há um sono a que chamam espiritual, que é um pouco mais do que fica dito, parece-lhes que é igual ao outro e deixam-se embevecer. E, quanto mais a isso se entregam, mais se embevecem, porque se enfraquece mais a natureza e, a seu juízo, lhes parece arroubamento; e chamo-lhe eu pasmaceira, pois não é outra coisa senão estar ali perdendo tempo e gastando a saúde”;
- por outro lado, existem outras, “tão fracas de cabeça e férteis de imaginação, que lhes parece ver tudo quanto pensam”.

São duas situações de enorme perigo para as almas que caminham na direcção do Altíssimo


QUINTAS MORADAS

O Capítulo I “começa a tratar como na oração se une a alma com Deus. Diz em que se conhecerá não ser engano”.

Não sabe a Santa como explicar a riqueza, tesouros e deleites que há nas quintas moradas.
Mesmo que as almas se limitem a chegar à porta destas moradas, já é grande a misericórdia que Deus lhes faz, porque ainda que sejam muitos os chamados, são poucos os escolhidos.

Chamadas à oração e à contemplação pelo hábito sagrado do Carmo, não devem as irmãs descuidar-se, deixando de gozar o Céu na terra, pela graça de Deus.

Na oração em que se chega à união, fica a alma como que adormecida, às coisas do mundo e a si mesma – “porque na verdade, fica-se como sem sentidos durante o pouco tempo que dura, nem se pode pensar, ainda que se queira”.
Está a alma morta ao mundo para que viva mais em Deus.

Nesta morada, a alma terá de discernir pela experiência acumulada, se a união “ foi ilusão, se estava sonhando, se foi dada por Deus, ou se o demónio se transfigurou em anjo de luz”.
No entanto, estando nesta morada unida a Deus, o demónio não conseguirá entrar nela. Há outras “uniões”, diz-nos Teresa, de que falará em momentos posteriores, mas não deixa de nos elucidar no que à sua experiência e certezas respeita: “ (…) esta alma a quem Deus fez tonta de todo para melhor imprimir nela a verdadeira sabedoria, não vê, nem ouve, nem entende o tempo que está assim, que sempre é breve. Fixa-se Deus a si mesmo no interior daquela alma de modo que, quando volta a si, de nenhuma maneira pode duvidar que esteve em Deus e Deus nela”.
É pois, Deus, quem nos convida a entrar n’Ele no centro da nossa alma.

O Capítulo II “prossegue no mesmo. Declara a oração de união por uma comparação delicada. Diz os efeitos com que fica a alma”. 

Na oração de união, Deus é a nossa morada e a nossa vida está escondida n’Ele.

Nesta morada, à alma tudo lhe parece pouco o que há-de fazer por Deus, segundo os seus desejos. 
Está quieta e sossegada mas, por outro lado, em desassossego, com múltiplos desejos de penitência, de solidão e de que todos conheçam Deus.

O Capítulo III “continua a mesma matéria. Fala de outra maneira da união que pode alcançar a alma com o favor de Deus e quanto importa para isto o amor do próximo”.

Adverte Teresa de Jesus, que o Senhor nos pede duas coisas: Amor por Ele e pelo próximo. E nesse sentido têm as almas de muito labutar – “guardando-as com perfeição, faremos a Sua vontade, e assim estaremos unidas com Ele”. No Amor por Ele e do próximo que nasce de raiz do Seu amor.

O Capítulo IV “prossegue o mesmo, declarando mais esta maneira de oração. Diz o muito que importa andar de sobreaviso, pois o demónio anda bem avisado para fazer voltar atrás no caminho começado”. 

Parece a Teresa, que esta união, ainda não se consubstancia no desposório espiritual.
Assim, devem as irmãs ir sempre adiante, porque uma alma que pretende ser esposa do próprio Deus, e com Ele tem tratado, “não se há-de deitar a dormir”.

E para verem (as irmãs) “o que Ele faz com as que já tem por esposas, comecemos a tratar das sextas moradas, e vereis como é pouco tudo em que O poderemos servir e padecer e fazer para nos dispormos a tão grandes mercês”. 


SEXTAS MORADAS

O Capítulo I “ trata de como, em começando o Senhor a fazer maiores mercês, há maiores trabalhos. Diz alguns e como se comportam neles os que estão nesta morada”.

Começa a Santa por dizer, que “venhamos, pois, com o favor do Espírito Santo, a falar das sextas moradas, onde a alma já fica ferida de amor do Esposo e procura muitas ocasiões para estar a sós e deixar tudo quanto pode, conforme o seu estado, e a pode estorvar nesta soledade”.

Nesta oração em que não se vê nada, nem sequer como consequência da imaginação, e a alma já se determinou a não ter outro esposo, ocorre que este, ainda mais exige dela para que se façam os desposórios.

Por vezes, o Senhor dá graves enfermidades e aflições espirituais, com dores violentas no corpo e na alma, aos que se encontram nesta morada e se preparam para ascender às últimas moradas.

O Capítulo 2 “trata de algumas maneiras com que Nosso Senhor desperta a alma, nas quais parece não haver que temer, embora seja coisa muito subida, e sejam grandes as mercês”. 
O 3 “trata da mesma matéria e diz a maneira como Deus fala à alma, quando é servido, e avisa como se hão-de haver nisto, e não seguir o seu próprio parecer. Dá alguns sinais para se conhecer quando não é engano, e quando o é”. 
O 4 “trata de quando Deus suspende a alma na oração com arroubamento, ou êxtase, ou rapto, que tudo é uma mesma coisa”.
O 5 “prossegue no mesmo assunto, e declara uma maneira como Deus levanta a alma com um voo de espírito, de modo diferente ao que fica dito”.
O 6 “diz um efeito da oração que fica dita no capítulo passado, com o qual se entenderá que é verdadeira e não engano”.
O 7 “trata como é a pena que sentem de seus pecados as almas a quem Deus faz as ditas mercês. Diz quão grande erro é não se exercitar, por espiritual que seja, em trazer presente a humanidade de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratíssima paixão e vida, e a Sua gloriosa Mãe e os seus santos”.
O 8 “trata de como se comunica Deus à alma por visão intelectual e dá alguns avisos. Diz os efeitos que faz quando é verdadeira. Recomenda o segredo destas mercês”.
O 9 “trata de como o Senhor se comunica à alma por visão imaginária, e avisa muito que se guardem de desejar ir por este caminho. Dá para isso razões”.
O 10 “diz outras mercês que Deus faz à alma por modo diferente das que ficam agora ditas, e do grande proveito que delas fica”.
O 11 “trata de uns desejos tão grandes e impetuosos, que Deus dá à alma de O gozar, que a põem em perigo de perder a vida, e do proveito que fica desta mercê que o Senhor faz”.

***

Terão bastado todas as mercês que o Esposo fez à alma, para que esteja plenamente satisfeita?
Não. Sempre geme e chora, porque quanto mais conhece as grandezas de Deus, mais lhe cresce o desejo de o gozar em toda a Sua plenitude.
E isso, só poderá acontecer no Seu palácio.


SÉTIMAS MORADAS

Nas sétimas e últimas moradas a Santa trata dos grandes favores que Deus fez a todas as que ali entraram.
Analisa a questão da alma e espírito, pensando que existem diferenças entre eles, apesar de serem um.
Bem como a diferença que existe entre “união espiritual” e “matrimónio espiritual” e os efeitos magníficos que daí provêm.

***


Gostaria de anotar, que a explicação de Teresa de Jesus sobre a “oração contemplativa” – na sua opinião, é nada mais que um “compartilhamento íntimo entre amigos; significa dedicar tempo com frequência para estar sozinho com aquele que sabemos que nos ama” - foi adoptada pelo Catecismo da Igreja Católica.  



JOSÉ MARIA ALVES

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